Com um abraço de Helder Raimundo
LIVRO: «A Criança e a Vida»
Helder Raimundo #
Já conhecia o livro havia tempo. O trabalho de Maria Rosa Colaço, professora do ensino primário, era uma lufada de ar fresco no ensino tonto e saloio dos anos 60 e nas escolas tristes e salazarentas da época. Os textos que recolheu, poesias e histórias, ferventes e imagéticas, de meninos das ruas e dos bairros de lata na margem sul de Lisboa, eram flores anunciando o Abril futuro. Poderiam ter sido escritos por qualquer um de nós, que entre 1960 e 1969, se sentaram irrequietos nos bancos velhos das escolas, aprendendo as letras com que, hoje, nos ajudam a pensar sobre elas próprias.
Lembro de ter lido o poema da contra-capa do livro e ter pensado no quotidiano do Vitor Barroca Moreira, que o escreveu aos nove anos: “O amor é um pássaro verde, num campo azul, no alto da madrugada”. Lembro ainda de ter visto a minha infância neste poema, de liberdade, de aventura, de protesto. Mas havia outros, muitos mais, cheios de flores, amizades e zangas, como o do Inácio da Silva Cruz, de 10 anos: “O amor é como duas borboletas que estivessem sobre uma rosa, a mais linda de todas do jardim. O amor tem que haver. Se não houvesse amor não havia nada bonito. O amor são duas estrelas a brilhar, a brilhar. A rosa e o sol são o amor. O amor é a poesia. O amor são dois passarinhos a construir a sua casinha. O amor é não haver polícias”.
De Maria Rosa Colaço, disse Casimiro de Brito, poeta louletano: “Educadora, escritora vigilante e aberta: aberta à soterrada voz do seu povo, aos longos silêncios que rodeiam a corrupção, à deslumbrada visitação do sol pelas crianças, à quotidiana construção do amor”. Estas são palavras de poeta, de gente que nega a morte, não negando o poema ou as palavras com que se fazem os Homens.
É como a viagem à lua do Manuel Miranda, de 8 anos: “Despedia-me do meu pai e da minha mãe. Preparava as malas e ia para a lua. Quando lá chegasse falava com Deus e os anjos. Ficava lá com os meus companheiros e nunca mais voltava porque encontrava os anjos a cantar e as estrelas ali mesmo ao pé. Porque lá não havia guerra e lá estava muito sossegadinho e não havia misérias, nem morria ninguém”. Assim, o Manuel viajou à lua, antes de outros, como o principezinho da história.
Maria Rosa Colaço diz-nos que estas crianças “não eram génios, nem poetas, nem meninos prodígios. Eram filhos de pescadores, de varinas, de ladrões de coisas...essenciais ao dia-a-dia. Moravam em casas com buracos e dormiam nos barcos, no vão das portas, nos degraus da doca, em qualquer sítio”.
Comprei este livro em Coimbra, em Novembro de 1992, para voltar a sentir o eco fundo dos seus apelos de criança. E agora, ao pegar nele posso dizer mais uma coisa: a sua autora, Maria Rosa Colaço, depois de rumar a Cacilhas/Lisboa, para educar as crianças da rua, escreveu neste jornal. Na «Voz de Loulé» escreveu muitos textos, insertos na página literária “Prisma de Cristal”, coordenada por Casimiro de Brito. O seu primeiro texto publicado é de 1 de Janeiro de 1957.
É ela que diz: “Companheira do sol e das raízes, cheguei à grande cidade”. Nós acompanhamo-la!
Maria Rosa Colaço A Criança e a Vida, Edições ITAU, Lisboa, 12ª edição.
Fontes
http://aculturaeparasecomer.blogs.sapo.pt/arquivo/167152.html
http://contrasensus.blogspot.com/2004/10/maria-rosa-colao.html
1 Comments:
Felicidades para esta iniciativa. No próximo nº de «A Voz de Loulé» publicarei um texto de homenagem a Maria Rosa Colaço. Na altura darei notícias. Um abraço do Helder Raimundo.
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