segunda-feira, maio 08, 2006

Da Ordem da Liberdade

Em Outubro de 2004, quando soube do falecimento da nossa professora primária, Maria Rosa Colaço, tive a ideia de criar um blog com o seu nome, na secreta esperança de que ele pudesse tocar e pôr em contacto alunos seus, de ontem e do presente. E amigos. E dar a conhecer, ainda que muito sucinta e modestamente o seu nome a quem não teve a sorte de com ela se cruzar. Socorri-me para isso de quatro ou cinco episódios que a minha memória de miúdo seleccionou nos idos de 50 e que me têm acompanhado desde então.

Tendo em conta o assunto, creiam-me, não esperava que nestes cerca de 20 meses se viesse a verificar tão elevado número de visitas, cerca de 11600. Da análise estatística que esporadicamente fui fazendo foi-me possível perceber que a sua maior parte se deu a partir de escolas, de meios universitários e artísticos e ainda de um ou outro blog que gentilmente acolheu o http://mariarosacolaco.blogspot.com/, difundindo-o.

Ao longo deste ano e meio várias foram também as pessoas que me enviaram mails colocando uma ou outra pergunta a que procurei sempre responder o melhor que podia e sabia. Ou, por vezes, deixando anonimamente uma manifestação de apreço, fosse pela iniciativa, fosse pela homenageada em si, fosse ainda para assinalar o que lhes parecia ser uma pequena vitória da memória sobre o esquecimento, ou ainda, o que sempre me há-de sensibilizar, para celebrar uma vitória da Escola no seu sentido mais básico, mais cívico e mais bonito.

Fiz o presente blog também por falta de outros meios, menos públicos, de expressar a dor de ver partir para sempre quem, a determinada e decisiva altura, se constituíu como pessoa importante na minha vida, uma âncora, um exemplo – pelo menos eu assim inconscientemente o decidi e portanto é verdade.

Fi-lo finalmente no exercício, talvez vão, de mitigar a ditadura da morte, aquela mais injusta, a que se deposita dia a dia na forma de esquecimento e que dissolve o importante da vida no ruído dos acontecimentos triviais. A pequenina eternidade que é a internet pareceu-me uma maneira possível.

Aliás foi nessa internet que fui encontrar mais rastos da Maria Rosa: Nos círculos os mais diversos, em poemas em Catalão inspirados no A Criança e a Vida, em entrevistas feitas há muito, em estudos e comentários de educadores estrangeiros, em referências a peças de teatro infantil, etc. etc.

Neste blog couberam também os testemunhos directos de jornalistas, artistas e amigos. Soube também de como este blog foi divuldado numa Escola Superior de Educação como prova de que vale a pena ser professor. Gratificante!

Creio que a iniciativa, tomada muito por instinto, não se revelou completamente desajustada. Nessa mesma internet pôde este blog registar eventos de homenagem, tanto de alunos como de amigos e admiradores, como ainda, em termos mais formais, da Edilidade de Almada. Mas não é tudo: Soube neste fim de semana de como o então Presidente da República Dr Jorge Sampaio veio a agraciar postumamente a nossa Professora com a comenda da Ordem da Liberdade com Palma e disso vos quero dar conhecimento. Orgulho e sensação de justiça são os meus sentimentos dominantes. Creio que também serão os vossos. Por quem agracia, o Estado Português, por quem nesta iniciativa o representa e por quem é agraciado.

*

Uns como eu recordarão a jovem digna, inteligente, romântica, culta, lutadora, livre, que distribuía o seu talento e a sua generosidade por sobre o meio atrasado, provinciano, paroquial e policiado em que nos anos 50, princípios dos anos 60, se teve de mover, enriquecendo-nos. Outros recordá-la-ão noutras paragens, noutros tempos e noutras profissões, jornalista, cronista, guionista, na Europa e em África, mas seguramente com a mesma atitude, que lhe estava nos genes. Esta iniciativa teve apenas o objectivo e a necessidade de poder dizer adeus (o que já se revelou impossível) e também o de deixar uma palavra que quando é expressa nunca está a mais e resume toda uma intenção: À Maria Rosa, Obrigado.

À sua Família os meus cumprimentos e o reconhecimento pela compreensão que tiveram. Aos colegas e amigos dos bancos de escola, vamo-nos vendo por aí, com a cumplicidade de termos em comum o que temos.

Um grande abraço para todos. A fresca memória da Maria Rosa é a nossa, enquanto vivermos. Para quem é mortal esse é talvez o melhor dos futuros possíveis.

Maio, 2006

O António Joaquim de "A Criança e a Vida"