Beira, Zoo Trindade, Maio de 68
Alô Tininha, Manel e todos os outros amigos,
O Eduardo trouxe-me um álbum enorme (mas há mais), com fotos, recortes de jornais e um larguíssimo etc que ultrapassa o que estava à espera. de encontrar...Fiquei emocionada com os testemunhos da época, inclusivé um artigo da Maria Rosa Colaço, entre outros, escrito em 68. É que tive a intuição de algo muito especial ao ver o filme do Zoo [Trindade], e venho a verificar que muitos, muito antes de mim já o tinham descoberto... É de facto uma história tão bonita e tocante que não pode ficar no esquecimento nem no canto de uma estante, dentro de álbuns e gavetas polvorentas...
Acho que não foi por acaso que no momento em que a Maria Rosa Colaço partiu para outra dimensão, me cai nas mãos o que ela escreveu , publicado no Notícias da Beira a 10 de Maio 68:
"Crónica: A OUTRA FACE
Título: CANTO O REINO EM QUE TE VEJO
D. Elisa é "manchete". Não necessita de apresentação.
Crianças e animais, tudo o que de puro resta sobre a terra, decoraram há muito a sua voz, sua paciência, sua ternura.
D. Elisa é irmã de S. Francisco e o Zoo de D. Elisa, o testemunho mais vivo de que ainda é possível na terra, a paz dos mansos de coração.
Irmã do sol e das raízes, D. Elisa é como uma personagem de conto infantil.
Só assim, no mundo da infância, é possível acreditar, sem reticências, neste entendimento deslumbrante dos homens e dos bichos.
D. Elisa é uma poeta da mansidão.
Seus olhos húmidos de gazela sem medo, sorriem ao ver o sorriso dos meninos, riem a sua alegria, comovem-se ao ver a sua comoção.
Uma professora, disse: permaneçam alinhados! D. Elisa, concluiu, sorrindo: Pode deixar! À vontade. Menino é como bicho: gosta de liberdade. Não acontece mal.
Uma outra voz ambiciosa, sugeriu: não lhe dava mais rendimento se o Zoo passasse para o Parque Perdigão?
E D.Elisa, emergindo do seu mundo de verde e tranquilidade: Talvez...talvez...mas os pobres bichinhos morriam de medo com aqueles jactos todos, ali ao pé, a fazerem tanto barulho.
D. Elisa é uma menina avó. Não se deteve sua ternura na maternidade realizada, não se suspendeu no ciclo de utilidade ao virem os primeiros netos. Ela sabe, como o poeta Sebastião da Gama que, o coração, quanto mais se dá, maior fica. Por isso, num milagre de juventude inconfundível, recria seus sonhos e além de animais, colecciona livros, pedras e bonecas.
Suas esguias mãos de Senhora sem pressa, abrem a nossos olhos, a outra face da paz. São dezenas de bonecas que lhe oferecem embaixadores, cônsules, viajantes das cinco partes do mundo, operários. Para elas, D. Elisa reserva um sonho bonito.
Até domingo que vem, faremos desse sonho uma surpresa para o leitor. Depois, acreditamos que os indiferentes se contagiem - e o sonho seja um acto real apesar de D. Elisa não acreditar em promessas. Contempla tristemente seu corpo que a doença deformou e diz:
- Sabe do que estou assim tão cheia? É de promessas. Promessas. Tantas promessas!
D. Elisa é um poema escrito de uma maneira inesperada. Por isso, aqui a esboço nestas linhas e a deixo, na manhã que nasce, plantada nos olhos apressados de quem, porventura me leia.
Comovidamente feliz por tê-la conhecido e pelo que com ela aprendi do outro rosto dos dias.
Maria Rosa Colaço
Maio de 68"
Zoo de D. Elisa (Sheeba e Tina)
Acho que vai valer a pena!
Beijinhos
Milai
---
O blog agradece o envio da crónica de Maria Rosa Colaço, publicada no Notícias da Beira em 10 de Maio de 1968, assim como os testemunhos particulares e a imagem fotográfica que a acompanham .
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home