terça-feira, novembro 16, 2004

Maria Rosa Colaço: o regresso ao nosso Alentejo

Conhecia e, por isso, admirava uma parte da tua obra (muitas dores de cabeça e tanta inveja -sim, inveja -causou o - talvez mais célebre - livro que escreveste, A Criança e a vida, feito, em plena ditadura, com coragem, emoção, muito saber pedagógico e linguístico). Nele deste a palavra aos alunos, ainda por cima a palavra poética, num país onde o povo era brutalizado a toda a hora, em qualquer momento, para ele próprio ser brutal e continuar iletrado, ao serviço dos vampiros que outro irmão iluminado com e pela palavra, José Afonso (esta noite sonhei com o professor-artista que, tal como tu e outros, com ousadia, fez da Escola uma tribuna de acto cívico, de Arte, Democracia e Comunicação, talvez porque os mais carentes dos portugueses e dos que nos procuraram, sonhando uma terra de acolhimento, continuem aviltados pelos que foram escolhidos para nos governar como deviam e envergonham as promessa que, feitas, logo foram esquecidas), designou para sempre.

Que fácil foi, depois da libertação, alguns que nunca se manifestaram contra o fascismo, nos tempos em que tantos se arriscaram, porem em questão a tua criação como pesquisadora do belo, na sala de aula! Como diria, certamente, um dos amigos que construíste, também escritor, de que, como povo nos orgulhamos, António Lobo Antunes: - Coitados!

Maria Rosa, fizemos AMIZADE há duas décadas, encontrámo-nos não muitas, mas as vezes suficientes para me teres, sempre, encantado com as palavras, a FRATERNIDADE, a ironia, a inteligência, a comida alentejana com que me "enchias" e ao AMIGO comum, como o referias, Sousa Pereira! Com ele te acompanhei um pouco (podia ter havido tempo para mais? Nunca, sinceramente, se faz tudo pelos que nos deixam; pensamos, creio, que são perenes). Até à leitura mais silenciosa que terias desejado, certamente, mas o pudor e o desgosto traíram-nos na altura de te deixarmos para voltares ao Torrão.

Maria Rosa, tu que foste o primeiro inventor de palavras para Rosa Mota, serás, apesar do que a maratonista deu ao país - e com o respeito que temos por ela -, a Rosa de Ouro que recordaremos, divulgaremos e cantaremos. O António (Sousa Pereira), eu, tantos portugueses e gente desta Europa que, apesar de dificuldades, prezará a cultura, a criança e a vida.


Manuela Fonseca, Outubro de 2004