«Mãe de Luz»
Mwata Jamwo Kauma, Rei da Lunda, 1928
Uma amiga minha traz-vos hoje uma histórica interessantíssima, ou de como a Escola pode ser uma coisa comovente.
«Quando a minha mãe casou com o meu pai ele trabalhava na Diamang - Angola, numa terrinha perdida no meio do mato, a 30Km da fronteira com o Congo. Aquela região é a região dos Quiocos ou Batchoukos). O seu território estende-se para norte, ex-Congo Belga adentro. Ao sul do Dundo, minha terra natal, mas ainda dentro da fronteira administrativa da Lunda, o território quioco confina com o território baluba (hoje Lunda-Sul).
Este é o enquadramento geográfico em que a minha mãe se instalou por via do casamento. Ela era uma mulher que não gostava de estar quieta, tinha mil e um interesses. Era de Matemáticas mas escrevia poesia. Já pode ver que a loucura (mansa...) que me conhece tem o seu quê de genético.
Naquelas paragens, com 20 criados ou coisa parecida a Maria do Céu (minha mãe) achou que podia conseguir que a Diamang, podre de rica como era podia financiar uma escola para ensinar as crianças negras a ler e escrever e, até, fazerem a instrução primária.
A coisa correu bem e a empresa fez a escola e a Maria do Céu tomou com ambas as mãos a tarefa de convencer o Sobeta dos Quiocos a que as crianças deveriam frequentar a escola. (o sistema social das comunidades negras, pelo menos das que eu conheço, envolve uma hierarquia que começa num rei, seguindo-se uma primeira linha de sobas de quem dependem os sobetas, responsáveis por uma aldeia ou um pequeno conjunto de aldeias nativas - 'tá-se mesmo a ver, os senhores directores e as segundas linhas...)
O tal Sobeta que, para além de alfaiate era amigo da minha mãe pois ela conversava muito com ele acerca da cultura, costumes, necessidades e anseios das gentes, ajudou-a e a escola fez o que era esperado - trouxe alguns conhecimentos do nosso português, alguma aritmética e, claro, alguma aculturação, sendo que enquanto a a minha mãe lá esteve, foi muito cuidadosa nesse aspecto. Há várias histórias engraçadas à volta desta experiência. Uma delas é que o tal Sobeta teve, a certa altura, de ser levado para Luanda para ser submetido a uma operação e, antes de se ir embora, foi dar o filho à minha mãe. Veja bem como é diferente a postura dos meus patrícios frente ao meio social que os envolve. Como ele não sabia se voltava, achou que ninguém melhor do que ela para tomar conta dos interesses e do futuro do filho homem. O que é certo é que ele, o rapaz, adorava a minha mãe e o seu sonho era vir a ser professor como ela. Assim, depois de acabar o ciclo que ela dava lá na tal escola do Dundo, ele foi ensinar português para uma concessão no mato. Todas as semanas vinha a casa, passar o fim-de-semana e dar o dinheiro que ganhava à minha mãe para que ela o ajudasse a geri-lo. O seu outro grande sonho era ter uma bicicleta que, entretanto, também realizou antes da vinda dos meus pais para Lisboa.
A tal outra história que lhe contei foi a seguinte - um dia, estava a minha mãe na escola apareceram as mães das crianças que traziam presentes para ela (galinhas, panos e coisas assim). Diziam que queriam falar com ela e o que tinham para lhe dizer era a demonstração da sua gratidão para com ela, pois se elas eram as mães da vida dos filhos que ali estavam, a minha mãe era a mãe de luz porque os ensinava a ler, a escrever, fazer contas e a crescer. »
Obrigado Myriam.
Uma amiga minha traz-vos hoje uma histórica interessantíssima, ou de como a Escola pode ser uma coisa comovente.
«Quando a minha mãe casou com o meu pai ele trabalhava na Diamang - Angola, numa terrinha perdida no meio do mato, a 30Km da fronteira com o Congo. Aquela região é a região dos Quiocos ou Batchoukos). O seu território estende-se para norte, ex-Congo Belga adentro. Ao sul do Dundo, minha terra natal, mas ainda dentro da fronteira administrativa da Lunda, o território quioco confina com o território baluba (hoje Lunda-Sul).
Este é o enquadramento geográfico em que a minha mãe se instalou por via do casamento. Ela era uma mulher que não gostava de estar quieta, tinha mil e um interesses. Era de Matemáticas mas escrevia poesia. Já pode ver que a loucura (mansa...) que me conhece tem o seu quê de genético.
Naquelas paragens, com 20 criados ou coisa parecida a Maria do Céu (minha mãe) achou que podia conseguir que a Diamang, podre de rica como era podia financiar uma escola para ensinar as crianças negras a ler e escrever e, até, fazerem a instrução primária.
A coisa correu bem e a empresa fez a escola e a Maria do Céu tomou com ambas as mãos a tarefa de convencer o Sobeta dos Quiocos a que as crianças deveriam frequentar a escola. (o sistema social das comunidades negras, pelo menos das que eu conheço, envolve uma hierarquia que começa num rei, seguindo-se uma primeira linha de sobas de quem dependem os sobetas, responsáveis por uma aldeia ou um pequeno conjunto de aldeias nativas - 'tá-se mesmo a ver, os senhores directores e as segundas linhas...)
O tal Sobeta que, para além de alfaiate era amigo da minha mãe pois ela conversava muito com ele acerca da cultura, costumes, necessidades e anseios das gentes, ajudou-a e a escola fez o que era esperado - trouxe alguns conhecimentos do nosso português, alguma aritmética e, claro, alguma aculturação, sendo que enquanto a a minha mãe lá esteve, foi muito cuidadosa nesse aspecto. Há várias histórias engraçadas à volta desta experiência. Uma delas é que o tal Sobeta teve, a certa altura, de ser levado para Luanda para ser submetido a uma operação e, antes de se ir embora, foi dar o filho à minha mãe. Veja bem como é diferente a postura dos meus patrícios frente ao meio social que os envolve. Como ele não sabia se voltava, achou que ninguém melhor do que ela para tomar conta dos interesses e do futuro do filho homem. O que é certo é que ele, o rapaz, adorava a minha mãe e o seu sonho era vir a ser professor como ela. Assim, depois de acabar o ciclo que ela dava lá na tal escola do Dundo, ele foi ensinar português para uma concessão no mato. Todas as semanas vinha a casa, passar o fim-de-semana e dar o dinheiro que ganhava à minha mãe para que ela o ajudasse a geri-lo. O seu outro grande sonho era ter uma bicicleta que, entretanto, também realizou antes da vinda dos meus pais para Lisboa.
A tal outra história que lhe contei foi a seguinte - um dia, estava a minha mãe na escola apareceram as mães das crianças que traziam presentes para ela (galinhas, panos e coisas assim). Diziam que queriam falar com ela e o que tinham para lhe dizer era a demonstração da sua gratidão para com ela, pois se elas eram as mães da vida dos filhos que ali estavam, a minha mãe era a mãe de luz porque os ensinava a ler, a escrever, fazer contas e a crescer. »
Obrigado Myriam.
1 Comments:
Bonita história. Obrigada por ma darem a conhecer.
Alguém
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