segunda-feira, novembro 29, 2004

O que é a vida?


Arte Rupestre


Do site de uma escola na Catalunha :

Les definicions poètiques suggerides per Maria Rosa Colaço
[El niño y la vida, Kairós, 1970]

QUÈ ÉS LA VIDA? ÉS UNA CAIXA DE BOMBONS

ÉS COM UN FIL LLARG SEMPRE A PUNT D'ENCETAR

QUE HAS DE RECÓRRER FINS AL FINAL
Roseta Altea (12 anys)

ÉS UN LLIBRE DE RECORDS

ÉS COM UN GLOBUS QUE ES POT PUNXAR I PER CADA PÀGINA QUE PASSA
I QUAN ES PUNXA, MORS.

UNA ANÈCDOTA ET TRASPASSA Guillem
(11 anys) Jordi

ÉS UN CAMÍ QUE SEMPRE S'ACABA [...]
Pau (11 anys)
[...]

O que é um anjo? - (Erasmus) - II

São pássaros vestidos de homem que cantam



«Trabalho realizado no decorrer do intercâmbio integrado no programa Erasmus, no ano lectivo 1994/95. Os textos foram retirados do livro "A Criança e a Vida" de Maria Rosa Colaço».
Inserto na revista on-line
UP-ARTE[1], Universidade do Porto. Em vão se tentou o contacto com o seu autor, Rui Santos .

quarta-feira, novembro 24, 2004

O que é um anjo? - (Erasmus)

É um homem que tem o sol pendurado atrás da cabeça
Fernando Brás, 6 anos


«Trabalho realizado no decorrer do intercâmbio integrado no programa Erasmus, no ano lectivo 1994/95. Os textos foram retirados do livro "A Criança e a Vida" de Maria Rosa Colaço».
Inserto na revista on-line
UP-ARTE[1], Universidade do Porto. Em vão se tentou o contacto com o seu autor, Rui Santos .

«Pesar pelo falecimento de Maria Rosa Colaço»

A presidente da Câmara Municipal de Almada expressou, em comunicado, um voto de pesar pela morte da escritora Maria Rosa Colaço.Medalha de Ouro da Cidade, a “morte de Maria Rosa Colaço constitui para todos nós, Almadenses de coração, um imenso choque. O desaparecimento físico de uma figura humana que ao longo de toda a sua vida dedicou o que melhor tinha e sabia a ensinar os outros, e em particular a ensinar as nossas crianças e jovens a serem mulheres e homens íntegros e completos, cria em nós um sentimento que mistura tristeza e pesar – profunda tristeza e profundo pesar”, pode ler-se no documento.Para a edil, “Maria Rosa Colaço foi jornalista, escreveu para crianças, para jovens, para adultos, publicou crónicas e ensaios, escreveu teatro. A caneta de Maria Rosa Colaço traduziu para o papel, ao longo de dezenas de anos de produção literária e artística, milhares de belas páginas de amor, justiça, beleza, mas também de grito de revolta e de denúncia das amarguras, da violência e da desumanidade que o mundo quotidiano desfilava perante os seus olhos”.Assim, “quando quem parte é uma Amiga como a Maria Rosa, o que perdemos de nós próprios com o seu desaparecimento físico é, se é que pode ser, atenuado pelo ensinamento, pelo saber e pela dimensão Humana que, para além da morte, permanece indelével e para sempre em nós, Homens e Mulheres que tiveram e têm o privilégio de poder usufruir dos contributos que a Maria Rosa nos deixa”.

Texto e imagem em Boletim Municipal, Novembro 2004, Câmara Municipal de Almada

sábado, novembro 20, 2004

«Na morte de Maria Rosa Colaço»

Jazz: Icarus, Henry Matisse, 1943

13 de Outubro. Toca o telefone. De Portugal anunciam-me a morte da Maria Rosa Colaço. Fico com um nó na garganta e nem sei o que consegui articular. Uma tristeza imensa me invade. Um desgosto tão grande que me dá ganas de sair a correr, aos berros, de protesto pelo sofrimento da Amiga, pela dor indescritível do Vasco, da Maria, da Sofia, seus filhos tão queridos. Uma perda irreparável. E eu a mais de 2.000 quilómetros de distância.
A nossa amizade começou há mais de cinquenta anos, em Aljustrel. Ela era ainda uma estudantezinha e eu já trabalhava, pois cedo comecei. Por vezes ela estava à janela da sua tia. Outras vezes na livraria do Edmundo da Silva, onde eu era assíduo nas horas livres. Quando a Maria Rosa deixou Aljustrel para prosseguir os seus estudos ficou a trocar correspondência com o José Conceição, seu colega no colégio local. Ora entre mim e o Conceição há uma amizade que herdámos dos nossos pais. A mesma infância, a mesma escola primária, a mesma adolescência e por aí fora. Eu tinha lido algo da Maria Rosa numa página infantil de não sei que jornal. Escrevi um apontamento sobre o texto e pedi ao Conceição de o incluir na próxima carta. E dizia-lhe também que eu sentia que ela viria a ser uma grande na literatura portuguesa. Na resposta ela confessava que a D. Etelvina Lopes de Almeida, escritora e jornalista distinta, lhe havia dito mais ou menos a mesma coisa. Foi portanto através do Conceição que se iniciou o nosso intercâmbio, que rapidamente se tornou em amizade, dado que havia muito de comum nas nossas sensibilidades, o mesmo amor pelo Alentejo, pela literatura; assim como mesmos desejos de liberdade e de justiça social. Isto por volta de 1950!
Publiquei alguns textos pessoais na Gazeta do Sul. Ela alargava a sua colaboração à Planície de Moura, ao Diário do Alentejo, Diário do Sul, Diário de Notícias e a muitos outros jornais. Viríamos ambos a colaborar no Odemirense, levando connosco o desenhador aljustrelense Manuel Martins Lopes. O talento de Maria Rosa Colaço explodia e o seu nome começou a ser referência nos meios literários nacionais. Paralelamente havia então um são convívio entre o nosso grupo de jovens de Aljustrel e os jovens do Torrão, amigos da Maria Rosa. Reciprocidade de visitas para festas, aniversários, récitas, passeios... A Nossa Senhora do Castelo, no alto da Vila, o moinho, a represa das minas, os campos dos arredores foram testemunhos da nossa juventude, da nossa amizade e comunhão de ideias. E a nossa liberdade incomodava autoridades locais e bufos. Houve até suspeitas de haver entre nós gente subversiva. Excessos dos pilares do regime, naturalmente.
A nossa amizade prosseguia. Veio o meu casamento e o nascimento da primeira filha, a Filomena Luiza, abreviado em Menaliza, que logicamente seria apadrinhada pelo Zé Conceição e por Maria Rosa. O bebé foi a inspiração de um poema a transbordar de amor, alegria e ternura: “A menina dos olhos de Sol”.
Depois foi a Maria Rosa que terminou os estudos e começou – com êxito tão festejado – a sua carreira de educadora. E veio o casamento com o amor da sua vida, o advogado António Lille Malaquias de Lemos, figura de referência no teatro universitário português. Fundou o Grupo Cénico da Faculdade de Direito de Lisboa, os Jograis de Lisboa e os Jograis de Hoje, encenador de talento. A vida levou-os à Madeira, depois a Nampula, à Beira e a Lourenço Marques, em Moçambique e iam espalhando cultura por onde viveram.
Entretanto Aljustrel foi fulcro do clima de violência que reinava no País. Na rua a GNR e a PIDE atiraram sobre o povo, ferindo e matando gente inocente. E eu decidi subtrair os meus filhos a tal clima de violência. Em 1964 deixei o País. Foi na Bélgica, em Bruxelas, que me fixei e aos meus. Não é fácil deixar o País. Não é fácil recomeçar uma nova vida. Nada é fácil na emigração.
Mas um dia, em 1969, a Maria Rosa e o Lille vieram viver uns dias connosco em Bruxelas. Dias maravilhosos de convívio renovado onde cada momento foi aproveitado para o Lille se actualizar com o que havia de melhor em teatro no centro da Europa, ficou maravilhado com uma peça de Arrabal, assim como com o Ballet Béjart. Ficaram impressionados com a riqueza da vida cultural de Bruxelas e surpreendidos porque na comunidade portuguesa havíamos encenado o AUTO DO CURANDEIRO, de António Aleixo, peça proibida em Portugal. Dias de franca troca de impressões sobre nossas experiências de vida, eles nos confins de África, nós no coração da velha Europa. Notícias de amigos comuns, como José Afonso, que também foi parar à Beira e que agora iríamos receber de tempos a tempos na nossa casa em Bruxelas. Também houve discussão sobre a complexidade dos problemas de Portugal e do nosso povo. Inevitavelmente. Dias inesquecíveis de amizade profunda.
Só depois, muitos anos depois do 25 de Abril, houve o grande abraço do reencontro, o renovar de contactos, aquele adubar da velha amizade nunca desmentida. A cada ida a Portugal lá havia a oportunidade duma conversa, o prazer duma refeição familiar. Estou a lembrar-me dum serão em Almada, depois da estreia de uma peça de teatro com o Lille encenador e a discussão que se seguiu entre os actores, o escritor Romeu Correia, a Luiza Basto, a Maria Rosa e onde participámos. Cada reencontro foi uma festa. Os nossos filhos tinham crescido e eram nosso orgulho. A Maria Rosa era agora a figura grada da literatura portuguesa, com vasta obra publicada.
Tragicamente o pior estava reservado para os meus amigos. No primeiro dia de 2003 o Lille sucumbiu a terrível doença. Lutou desesperadamente e foi com horrível sofrimento que viu a vida fugir-lhe. Maria Rosa sobreviveu penosamente à perda do grande amor da sua vida. Mas não por muito tempo. A saúde, abalada, foi-se degradando até que nesse trágico dia 13 de Outubro, cansada de sofrer, entregou a alma ao seu Deus, esse mesmo Deus em que acreditava e que não foi nada generoso, nem para ela, nem para o seu marido, nem para os seus filhos, o Vasco, a Maria e a Sophia. Como acreditar num Deus generoso e justo??
Vivi angustiado algum tempo com necessidade de chorar e os olhos desesperadamente secos. Mas no sábado seguinte, 3 dias após a perda grande da irmã de sensibilidade, andando ao acaso, encontrei-me à porta dum cinema. Exibia-se o filme “Cadernos de Viagem”, de realizador brasileiro. Filme que relata a grande viagem de dois amigos estudantes pela América do Sul, numa velha motocicleta. A miséria de vida dos camponeses argentinos, dos mineiros de cobre do Chile, a leprosaria do Perú e muitas outras situações trágicas marcaram profundamente os nossos heróis. Neles ficou a convicção da necessidade de lutar por um mundo mais justo, não só para o povo da América Latina, como para todos os que sofrem a miséria a que os condena uma exploração impiedosamente assassina. Um desses dois estudantes foi mais tarde o médico e revolucionário CHE GUEVARA. Que anos depois teve a cabeça a prémio e foi assassinado pelos Estados Unidos da América. O trágico das situações e a angústia que estava dentro de mim, fez que dei comigo a chorando amargamente. Como não imaginava que se pudesse chorar aos 72 anos.
Acreditem ou não, tive então a sensação nítida que a meu lado, na cadeira fisicamente vazia, estava comigo a Maria Rosa Colaço. Numa presença amiga e solidária, para me confortar no grande desgosto que me causou a sua perda. Uma presença como aquela que me acompanhou vida fora, em mais de cinquenta anos, me ensinando o Amor, me ensinando a VIDA.
O vazio que sinto cada vez que volto a Portugal, pela ausência de entes queridos, vai ser, a partir de agora, imensamente maior. E mais doloroso.
Adeus Amiga.
Deixas-me o mundo mais pobre e mais triste.

José Soares
Outubro 2004
Bruxelas

sexta-feira, novembro 19, 2004

«Estrada Larga»

Francisco Ceia
Era uma vez…

Podia começar assim, com estas palavras brancas, que descobrem o sol da nossa infância, rompendo as sombras e os muros velhos, e contar-lhes,

Era uma vez no “ Forno de Cima “, ali na encosta antiga do Pragal, junto aos braços abertos do Cristo-Rei, que aquecíamos os corações, nas canções novas, nos poemas pintados de esperança, ou como os guindastes da Lisnave entravam cúmplices e solidários, pela janela escancarada do 5º andar em Almada, nas boas madrugadas, iluminadas de gaivotas, de Tejo e andarilhos das sete partidas…

Mas hoje apetece-me voltar a Toronto, à sala de embarque do seu aeroporto internacional, onde se cruzam diariamente milhares de pessoas de todos os continentes, de todas as cores e credos! Apetece-me voltar e…estás ali comigo Maria Rosa, esperando o pássaro que vai levar-nos de volta ao perfume da nossa terra.

De súbito, junto a uma das portas da enorme gare, uma inusitada agitação. Depois, abrindo clareiras à sua passagem, sereno, de braços abertos, chapéu velho e roto, com palha a sair pelos buracos, fato esfarrapado de mil cores, o Espanta-Pardais veio envolver-nos num abraço!

Por um instante, tudo à nossa volta parecia ter parado!

O Espanta-Pardais da peça que escreveste, e eu tinha levado à cena, com um grupo magnífico de pessoas da comunidade portuguesa de Toronto, trazia “palhinhas” do seu coração, para nos aconchegar os caminhos, na grande aventura da Estrada Larga…

Portalegre 20 de Outubro de 2004

Francisco Ceia


quinta-feira, novembro 18, 2004

«Mãe de Luz»

Mwata Jamwo Kauma, Rei da Lunda, 1928

Uma amiga minha traz-vos hoje uma histórica interessantíssima, ou de como a Escola pode ser uma coisa comovente.

«Quando a minha mãe casou com o meu pai ele trabalhava na Diamang - Angola, numa terrinha perdida no meio do mato, a 30Km da fronteira com o Congo. Aquela região é a região dos Quiocos ou Batchoukos). O seu território estende-se para norte, ex-Congo Belga adentro. Ao sul do Dundo, minha terra natal, mas ainda dentro da fronteira administrativa da Lunda, o território quioco confina com o território baluba (hoje Lunda-Sul).
Este é o enquadramento geográfico em que a minha mãe se instalou por via do casamento. Ela era uma mulher que não gostava de estar quieta, tinha mil e um interesses. Era de Matemáticas mas escrevia poesia. Já pode ver que a loucura (mansa...) que me conhece tem o seu quê de genético.
Naquelas paragens, com 20 criados ou coisa parecida a Maria do Céu (minha mãe) achou que podia conseguir que a Diamang, podre de rica como era podia financiar uma escola para ensinar as crianças negras a ler e escrever e, até, fazerem a instrução primária.
A coisa correu bem e a empresa fez a escola e a Maria do Céu tomou com ambas as mãos a tarefa de convencer o Sobeta dos Quiocos a que as crianças deveriam frequentar a escola. (o sistema social das comunidades negras, pelo menos das que eu conheço, envolve uma hierarquia que começa num rei, seguindo-se uma primeira linha de sobas de quem dependem os sobetas, responsáveis por uma aldeia ou um pequeno conjunto de aldeias nativas - 'tá-se mesmo a ver, os senhores directores e as segundas linhas...)
O tal Sobeta que, para além de alfaiate era amigo da minha mãe pois ela conversava muito com ele acerca da cultura, costumes, necessidades e anseios das gentes, ajudou-a e a escola fez o que era esperado - trouxe alguns conhecimentos do nosso português, alguma aritmética e, claro, alguma aculturação, sendo que enquanto a a minha mãe lá esteve, foi muito cuidadosa nesse aspecto. Há várias histórias engraçadas à volta desta experiência. Uma delas é que o tal Sobeta teve, a certa altura, de ser levado para Luanda para ser submetido a uma operação e, antes de se ir embora, foi dar o filho à minha mãe. Veja bem como é diferente a postura dos meus patrícios frente ao meio social que os envolve. Como ele não sabia se voltava, achou que ninguém melhor do que ela para tomar conta dos interesses e do futuro do filho homem. O que é certo é que ele, o rapaz, adorava a minha mãe e o seu sonho era vir a ser professor como ela. Assim, depois de acabar o ciclo que ela dava lá na tal escola do Dundo, ele foi ensinar português para uma concessão no mato. Todas as semanas vinha a casa, passar o fim-de-semana e dar o dinheiro que ganhava à minha mãe para que ela o ajudasse a geri-lo. O seu outro grande sonho era ter uma bicicleta que, entretanto, também realizou antes da vinda dos meus pais para Lisboa.
A tal outra história que lhe contei foi a seguinte - um dia, estava a minha mãe na escola apareceram as mães das crianças que traziam presentes para ela (galinhas, panos e coisas assim). Diziam que queriam falar com ela e o que tinham para lhe dizer era a demonstração da sua gratidão para com ela, pois se elas eram as mães da vida dos filhos que ali estavam, a minha mãe era a mãe de luz porque os ensinava a ler, a escrever, fazer contas e a crescer. »


Obrigado Myriam.

quarta-feira, novembro 17, 2004

Sra. Autora Maria Rosa Colaço:

Foto Diário de Notícias

Sra. Autora Maria Rosa Colaço:

Gostei muito do seu livro "mistério da coisinha azul".
Ele chamou-me muito a atenção, principalmente porque a conheço e gostava de ler um livro de uma autora que eu conheço.
O capítulo que gostei mais foi o primeiro. Que falava sobre um menino chamado Tiago que estava sentado à beira mar. Ele tinha uma toalha vermelha que lhe descia pelos ombros. Certo dia, ele pegou numa concha que estava na areia ao lado dele, e… atirou-a ao mar. De repente, quando ela caiu na água, apareceu um homem muito estranho. Ele usava um fato azul-marinho. Passado um pouco viu-se que não era um fato, eram escamas. Tiago estava impressionado. Como o cabelo dele não era cabelo, eram algas, Tiago deu um grande espirro. Num entanto o homenzinho voou até as mãos do Tiago.
Começou a conversa. Estavam às gargalhadas. Nessa conversa sem sons, sem palavras ditas, conversou-se de muita coisa.
Tiago perguntou-lhe o nome, e ele respondeu "Pfdrrkmliffz", como o Tiago não percebeu, ele começou a chamá-lo por "coisinha azul", porque ele é muito pequenino e muito querido.
Depois a "coisinha azul" perguntou o nome ao Tiago e ele respondeu.
Passado algum tempo de conversa, a "coisinha azul"saltou para a água. Por isso a conversa acabou.

Sofia Costa - 7ºC
Colégio Campo de Flores, Clube dos Leitores
COLAÇO, Maria Rosa, O Mistério da Coisinha Azul, Plátano Editora, (s.l.) e (s.d.).

terça-feira, novembro 16, 2004

Maria Rosa Colaço: o regresso ao nosso Alentejo

Conhecia e, por isso, admirava uma parte da tua obra (muitas dores de cabeça e tanta inveja -sim, inveja -causou o - talvez mais célebre - livro que escreveste, A Criança e a vida, feito, em plena ditadura, com coragem, emoção, muito saber pedagógico e linguístico). Nele deste a palavra aos alunos, ainda por cima a palavra poética, num país onde o povo era brutalizado a toda a hora, em qualquer momento, para ele próprio ser brutal e continuar iletrado, ao serviço dos vampiros que outro irmão iluminado com e pela palavra, José Afonso (esta noite sonhei com o professor-artista que, tal como tu e outros, com ousadia, fez da Escola uma tribuna de acto cívico, de Arte, Democracia e Comunicação, talvez porque os mais carentes dos portugueses e dos que nos procuraram, sonhando uma terra de acolhimento, continuem aviltados pelos que foram escolhidos para nos governar como deviam e envergonham as promessa que, feitas, logo foram esquecidas), designou para sempre.

Que fácil foi, depois da libertação, alguns que nunca se manifestaram contra o fascismo, nos tempos em que tantos se arriscaram, porem em questão a tua criação como pesquisadora do belo, na sala de aula! Como diria, certamente, um dos amigos que construíste, também escritor, de que, como povo nos orgulhamos, António Lobo Antunes: - Coitados!

Maria Rosa, fizemos AMIZADE há duas décadas, encontrámo-nos não muitas, mas as vezes suficientes para me teres, sempre, encantado com as palavras, a FRATERNIDADE, a ironia, a inteligência, a comida alentejana com que me "enchias" e ao AMIGO comum, como o referias, Sousa Pereira! Com ele te acompanhei um pouco (podia ter havido tempo para mais? Nunca, sinceramente, se faz tudo pelos que nos deixam; pensamos, creio, que são perenes). Até à leitura mais silenciosa que terias desejado, certamente, mas o pudor e o desgosto traíram-nos na altura de te deixarmos para voltares ao Torrão.

Maria Rosa, tu que foste o primeiro inventor de palavras para Rosa Mota, serás, apesar do que a maratonista deu ao país - e com o respeito que temos por ela -, a Rosa de Ouro que recordaremos, divulgaremos e cantaremos. O António (Sousa Pereira), eu, tantos portugueses e gente desta Europa que, apesar de dificuldades, prezará a cultura, a criança e a vida.


Manuela Fonseca, Outubro de 2004

segunda-feira, novembro 15, 2004

Oh espantaocells!


Imagem retirada do Projecto Espanta Pardais, trabalhos realizados pelos alunos da Escola E.B. de Bicesse a partir do conto homónimo de Maria Rosa Colaço, coordenação de Fátima Moreira Batista.Não percam!


Poema colhido em página de poesia numa escola da Catalunha.

L'ESPANTALL...

Oh espantaocells!
Cada dia estàs més sol.
Els ocells fugen de tu
i tu els estimes!

Els pagesos et vesteixen amb draps
bruts i esquinçats.
Et deixen als sembrats
i... ni pots riure!

Què sol que estàs, espantall!

Jordi Borràs (9 anys)



O Espantalho

Oh Espantalho!
Cada dia estás mais só.
Os pássaros fogem de ti
e se tu gostas deles!


Os camponeses vestem-te com roupas
sujas e rasgadas.
E deixam-te nas searas
e... nem podes rir!


Que só que estás, espantalho!

(Jordi Borrás 9 anos)



(Amável tradução do Dr. Maurício Levy, a quem envio um grande abraço)

quinta-feira, novembro 11, 2004

Sophia Lemos

O Espanta-pardais, Edward Seago


Sopia Lemos, filha da escritora de "O Espanta Pardais", mesmo nesta sua hora tão difícil não quis deixar de enviar a este blog um comovido mail no qual disponibiliza o seu endereço de correio electrónico a quem a queira contactar.
Obrigado.
A.

quarta-feira, novembro 10, 2004

As primeiras letras (III) - Professores recordam

Santo André, Alentejo, Portugal, 1950. Professores Cristina e Rui Oliveira e classes.
© Lurdes Tainha Saramago


Excertos de
http://sistemas.inep.gov.br/portalprofessor/livrovisitas/tx_visitas.asp

CLAUDIO VIL: Em primeiro lugar a minha dificuldade nas aritméticas. Que coisa difícil! Coisa boa era a participação no grêmio da turma e nos esportes da escola, contribuíndo na conquista de muitas amizades. Enviada em 07/08/2004.


HAROLDO JUSTINO DE MEDEIROS: Lembro-me, como se fosse hoje, quando saí do sítio Várzea Alegre, Município de São Mamede - PB, para o meu 1º dia de aula na 5ª série do então Colégio Marcos Barbosa(1975). Era uma situação inédita, uma ansiedade incontrolável e um prazer sem limite(ainda hoje fico extremamente emocionado). Professoras como Eny Cabral são inesquecíveis e tornam essas recordações eternas em nossas memórias. (...) Enviada em 03/08/2004.

PROF.NILTON: Haveria paz na terra e não seria a vida inquieta se a criança em vez de guerra brincasse de ser poeta. (luiz otavio) precisamos dar mais valor a produção literária nas escolas. Enviada em 01/05/2004.

CARMEM SPOTTI: Moro em Roraima há anos, mas nasci e estudei em Santa Vitória do Palmar - RS. Creio que devo as minhas lembranças e a vontade de ser professora à Escola Manoel Vicente do Amaral, onde cursei do jardim a 8ª série. Até hoje, quando retorno à minha terra natal e passo pela velha escola, escuto os risos e a bagunça da criançada. Lembro-me principalmente da diretora Profª Suely, muito rígida, mas muito amiga. Ao entrar na escola, as pessoas ficam a me observar e estranharem ver uma senhora a passear pelos corredores, tocando nas paredes meio sorrindo e meio chorando de saudades. (...) Enviada em 08/03/2004.

JANDIRA GUALBERTO DOS REIS: Sou professora, hoje Mestra em Educação, e, nesse meu caminhar, a lembrança de meus professores e de minhas professoras estiveram sempre presentes em mim. Foram todas muito especiais, mas, dentre eles/as, elejo a senhora Adyr de Souza Velloso como aquela que maior influência teve em meu aprendizado. Ela foi minha professoras no primário e foi a primeira pessoa a me ensinar a importância em se acreditar em nós mesmos/as e em nossa capacidade de realizar. Enviada em 08/03/2004.

ANA MARIA CARROCINI: As lembranças da minha escola são extremamente emocionantes para mim. Era uma escola rural que hoje já nao existe mais. Eu e mais 2 irmaos: Luis Carlos e Joao Carlos éramos acordados as 6h da manhã pela nossa amada mãe, que nos servia um café delicioso e daí era uma longa caminhada: 4km à pé, mas nossos amigos passavam perto de casa e gritava p/ que fossemos juntos...entao ia aos poucos nos juntando até a escola. Chegando lá a professora Dona Satiko nos recebia com muito amor e, se chovia, ela nos levava de volta para casa de carro, um a um. Na sala era uma festa e aos poucos ela nos ensinava, com amor, todas as liçoes.
Tínhamos uma horta onde cada dia um regava e no intervalo a gente limpava a classe, varria e cuidava das plantas..ahhh e também um pouco antes do recreio ela escolhia dois alunos que esquentavam a sopa e depois lavavam as louças. Não havia indisciplina nem tristeza, só o amor, a dediçao dela por nós e a amizade, fazia parte de nossas vidas.
Quantas saudades...velhos tempos.... Enviada em 05/03/2004.

ELISABETE RIBEIRO DE CARVALHO: Tenho muitas saudades dos tempos da "minha" Escola Maranhão, no Bairro de Terra Nova, bem Pertinho do Engenho da Rainha. Lá, havia um clima sedutor ... Fui aluna padrão e monitora de turma. Ganhei vários concursos, várias premiações por participar dos eventos nos quais a Escola se envolvia. Ganhei até um concurso de redação do antigo "Correio da Manhã" recebendo a premiação ( livros ) numa linda festa realizada no auditório da Escola, com a presença dos jornalistas que formaram o júri. Foi um tempo de construção de conhecimento e D.Marisa, D.Lucy e D. Luzia marcaram a minha vida, sendo modelos de educadoras. Até tentei seguir outra carreira, mas deixei as pranchetas e o nanquim para seguir o que de melhor eu saberia fazer: dar aulas.´ No Município já fui professora, ouvidora de CIEP, elemento de CRE, Coordenadora e atualmente Diretora-adjunta. Amo o que faço e tenho o maior orgulho em ser professora. Passo para os alunos o amor que tenho pela nossa escola e me alegro ao ver que muitos deles também a amam. Faço a minha parte dando o melhor de mim, mas a minha essência vem das oportunidades que tive na Escola Primária, lindos anos de minha vida. Enviada em 03/03/2004.

LILA ELOY: O fato que marcou minha trajetoria de vida foi a minha primeira série, onde uma professora quase menina me ensinou, mais do que qualquer filósofo, Lei Educacional ou educador do século XXI, que a educação e o ensinar e aprender estão ligados ao amor. Nise, o nome da grande mestra em minha vida, espelho de todo meu caminhar, nos meus mais de 30 anos de magistério, é exemplo que uso até hoje nas aulas que ministro no curso de pedagogia. O amor ao magistério e ao próximo foi a marca registrada de minha pequena grande mestra, com quem sonhei durante toda minha trajetória enquanto aluna e na minha vida como profissional. Sou professora aposentada da rede pública, onde exerci várias funções: professora de pré-escola, do ensino fundamental e do curso de magistério, diretora, supervisora de escola e atualmente coordenadora do curso de pedagogia. Nesses anos todos tentei ser uma Nise e, provavelmente, formei muitas "Nises" que com certeza contribuem para que a educação de nosso país seja um exercício praseiroso e humanizador. Enviada em 21/02/2004.

GISELLY: Minhas lembranças são tão boas que decidi tornar-me uma professora. Os professores que tive ao longo da minha vida escolar foram muito bons, dedicados, amigos, etc. Por causa deles, hoje, também quero dar aulas e ser, no mínimo, igual a eles. Enviada em 09/02/2004.

MARIA DOS PASSOS SILVA: Saudade - palavra que só existe em nossa língua. Sinto saudade,saudade de tudo.Sinto saudade de vc, querida Auricléia, minha professora querida. Depois de vc, muitos professores passaram por minha vida, mas nenhum foi como vc."Que saudades da professorinha/ a que me ensinou o bê-a-bá... Será por isso que me tornei professora? Não sei, mas não serei ingrata. A todos tenho o que agradecer, pois todos deixaram um pouco de suas vidas em minha vida, todos mudaram meu espírito, todos me fizeram o que sou hoje e eu os amo profundamente. A todos meu abraço carinhoso. Eu só peço a Deus que um dia meus alunos possam lembrar de mim como eu lembro de meus professores queridos. Para todos um beijo cheio de saudade. Enviada em 03/02/2004.

HILDA BORGES BARRO: AComo tenho lembranças! As salas de aula em que estudava eram em lugares diferentes, pois o colégio não tinha prédio. Estudei em sala improvisada num espaço que era de um bar, onde sempre que chovia forte ela inundava, ou, às vezes era invadida por cavalos, cachorros, galinhas, etc. Outra sala era na casa de uma professora que não media esforços para que aprendêssemos. Outra era numa igrejinha antiga, que tínhamos de tomar um cuidado tremendo para não cairmos nos buracos do assoalho. Por mais que pareça assustador, foi uma época mágica em minha vida. Hoje, sou a diretora do colégio, que já possui prédio próprio que alívio! Enviada em 18/01/2004.

MARLI TAMIAZI HUNGARO: Tenho muitas lembranças da escola, desde o 1º ano até a 8ª série, mas o que mais me faz sentir saudades são as aulas de Português, no ginásio, que eram ministradas pela professora Maria Cristina, na Escola Estadual Maria Trujillo Torloni. Foi nessa época que nasceu o meu prazer pela leitura. Essa professora despertava o encanto de se desvendar as mensagens dos livros, textos, e principalmente poesias. (...) Assim passei a adorar a leitura e a escrever com mais facilidade. Sinto que hoje as escolas não estão dando tanta importância a isso, é realmente uma pena! Enviada em 16/01/2004.

VERONICA M.S: Lembro-me bem,os professores eram apaixonados por sua sala,seus alunos, sua função.Não generalizando. Mas fico trite com muitos que andam fazendo bico na educação. Enviada em 01/01/2004.

JOSÉ DE RIBAMAR DOS SANTOS PEREIRA: Fiz o ciclo ginasial na Escola Municipal Alberto Pinheiro, em São Luís - MA. A professora Lourdes, de Língua Portuguesa, marcou-me profundamente por suas mensagens de incentivo à luta. Contando a situação social dos seus alunos. Suas palavras me mostraram que é preciso ter determinação para crescer profissionalmente, como me incentivaram a gostar do nosso idioma. isto se deve à maravilhosa Mestra da minha adolescência. Um abraço, onde quer que esteja. Enviada em 30/12/2003.

LUIZ DANIEL A. DIAS: Lembrar da escola é algo que causa nostalgia, alegria e sonhos, muitos sonhos de infância.Recordo-me que aqui em Fortaleza o Colégio 7 de Setembro representava o símbolo do rigor em educação e quando vestia aquela farda na qual estava escrito no peito "sabidinho" sentia-me orgulhoso de poder estudar lá.Nossas"tias" ainda estão bem vivas em minha memória, a vida na escola fuía de modo deslumbrante em minha cabeça e todos os dias voltava para casa dizendo silenciosamente para mim mesmo: "um dia pretendo lecionar". Hoje,transcorridos 27 anos estou aqui lecionando, não mais no colégio 7 de Setembro, mas na Faculdade 7 de Setembro, orgulho maior na minha vida profissional. Dedico essa minha lembrança a todos aqueles que um dia sonharam em lecionar na escola na qual estudaram para a vida. Enviada em 29/12/2003.

AMARISIA BARRETO SILVA: Era meu primeiro dia de aula. Minha mãe me levou e estava fascinada pelo mundo das letras. Porém era minha primeira experiência longe da minha mãe. Ao perceber sua ausência, comecei a chorar. Foi neste momento, assim como em tantos outros momentos, que recebi o apoio e o carinho da professora da quarta série, que vinha sempre me dizer palavras acolhedoras e confortáveis. Acredito que o trabalho que realizo como professora de educação infantil , tem reflexo deste aprendizado. E jamais irei esquecer , dos belos momentos que vivi, nesta escola. As cantigas de roda, era minha brincadeira preferida, porque eu podia pegar na sua mão. Estas mãos que me conduziram a trilhar um caminho na educação. Esta professora, não chegou ser a minha professora, mas ela é responsável, por eu ser hoje, formada em pedagogia com especialização em educação infantil e amar o que faço. Enviada em 29/12/2003.

ZELIA MARIA WALTRICH: Na minha época, a gente não tinha merenda escolar. Eu andava quilômetros para ir à escola. Minha professora era muito autoritária. Aprendi muito porque adorava estudar, mas não era fácil, pois nem podíamos olhar sequer para o lado, que ganhávamos reguada. Não posso dizer que tenho boas recordações de minha escola. Enviada em 27/12/2003.

SAYUKI YAMAOKA: Lembro dos esforços que meu pai fazia para minha caminhada a escola José Cândido, em Araçatuba - Estado de São Paulo. A bolsa que eu carregava era comprida e quase arrastava no chão, mas o orgulho de estar indo para escola era muito grande, uniforme limpo, passadinho. Apesar das dificuldades financeiras de meus pais, lá ia eu, feliz e satisfeito. O momento mais gratificante de minha vida foi quando utilizei caneta à tinta. Sujava os dedos, para que todos vissem que eu estava escrevendo à caneta tinteiro, aquela que colocávamos uma pena na ponta. Na própria carteira havia um tinteiro. (...) Enviada em 26/12/2003.

REJANE ALVES: Dentre as lembranças mais doces que trago da infância esta a recordação do dia em que li sozinha o nome da minha primeira escola: Colégio São Francisco de Assis. A professora Dona Lourdes reunia um grupo de crianças no pequeno quintal de sua casa no bairro das Quintas em Natal/RN. Ela me ensinou a ler e a escrever aos 5 anos de idade. Quando mais tarde ingressei na Escola Heloisa Duque Estrada na primeira serie em 1977 já dominava a cartilha de cabo-a-rabo, para o orgulho de meus pais que não tiveram a oportunidade de freqüentar a escola nas suas respectivas infâncias. O Colégio São Francisco de Assis na pessoa de sua única "funcionaria" D. Lourdes introduziu boa parte das crianças da localidade ao mundo das letras. Não era uma escola publica,provavelmente não contava com nenhum tipo de apoio oficial, era apenas a dedicação de uma mulher que nos lia estórias, cantava musicas e nos fazia reescrever inúmeras vezes nosso nome completo. Para D. Lourdes todo o carinho e respeito de minha recordação. Enviada em 26/12/2003.

SANDRA SUELY DOS SANTOS FRANCISCO: Lembranças da escola? hum... as maravilhosas aulas de História da profa. Venize ministrava no Colégio Pedro Amazonas Pedroso. Eram aulas saborosas, contextualizadas que permitiam a reflexão do cotidiano. A profa., sempre dinâmica, nos levava a fazer uma longa viagem na história onde tínhamos oportunidade de fazer perguntas (que naquele tempo, em 1977, não era tão comum). Aprendi muito com ela e isso por certo influenciou na minha escolha profissional, aliado as belas Histórias de Contos de Fadas que minha avó Líbia contava. Enviada em 25/12/2003.

ROSAURA DE SOUZA SANTOS: Professora Esmeralda Helena ( Vovozinha) por onde andará? Passou pela baixada fluminense orientando alunos e familiares mas sem colher os louros de seu anônimo trabalho. Onde estiver Vovozinha saiba que os seu alunos de Duque de Caxias nunca esqueceram da Mestra dos mestres. Deus te abençoe ( carentes de 19e alguns anos da Baixada Fluminense) Enviada em 25/12/2003.

GILSIMARA CAETANO COSTA: Escola Municipal Pedro Lessa -Situada à Rua Adail - Bonsuceso RJ-RJ Na minha memória estão bem vivas as brincadeiras entre as árvores do colégio. A preferida era pique , onde nem se sabia que existia o tempo, pois era tão gostoso brincar na escola. A sala de aula era uma festa onde o conhecimento era digerido com o maior prazer. Como era gostoso estudar naquela escola . Lembro dos amigos Alice , Nadya, etc, das professoras dona Célia Regina, Solange, Terezinha, Leticia, Angélica e Sara, que com o maior carinho nos ensinavam os tais conteúdos. Tenho esses conteúdos fresquinhos dentro de mim, até hoje. Hum consigo sentir o cheiro e o barulho da minha Escola Pedro Lessa. Enviada em 25/12/2003.

SAULO: SÓ TENHO BOAS RECORDAÇÕES DO TEMPO DE ENSINO MÉDIO. Enviada em, 23/12/2003.

PEDRO FERREIRA DE FREITAS: Tenho saudades da Escola Dom Bosco em Campo Grande no Mato Grosso do Sul. Professor Arlindão nos fazia decorar o poema de Castro Alves chamado Vozes D´Africa. Até hoje eu sei recitar aquele poema. Tinha a professora Glorinha que dava interpretação de textos uma vez por semana. Foi ali com aqueles professores que eu comecei a ver o mundo diferente. Depois eu estudei em muitos outros lugares, faculdades, congressos, etc.... Hoje acho que um bom começo, com bons professores foi talvez a coisa mais importante da minha vida de estudos. Tenho saudades sim. Enviada em 23/12/2003.

ABSS: Sou mais uma daquelas professoras que foram alfabetizadas com a cartilha Caminho Suave. Bendita Caminho Suave! Sempre com ajuda de minha mãe ia juntando as vogais e logo após as sílabas...ba-ba, be-bê... e assim, soletrando, silabando, iniciei meu processo de alfabetização, talvez um tanto arcaico hoje. Mas foi por meio deste método antiquado que cheguei até aqui, sendo que, durante minha passagem pelas séries seguintes, escrevia sempre com perfeição, sem erros ortográficos e leitura fluente. O que será que acontece hoje com as novas técnicas de alfabetização? Enviada em 23/12/2003.

AJ: (...) Foi o professor de História em Iguatu, quando estava cursando o segundo ano do ginásio, o Dr. Mandu Olanda. Foi um professor que ensinou muita coisa e os alunos não entenderam porque ele foi preso e nunca mais tiveram notícias dele. Hoje depois de muito tempo é que veio entender o que aconteceu com ele. O professor Mandu ensinava muitas coisas relacionadas com a vida. Ele parava a aula mais cedo e ficava ensinando essas coisas, algo que nenhum outro professor fazia. Muito do que ele falava veio a aprender apenas no Madureza quando então passou a existir OSPB. Esse professor era o único que quebrava a regra e algumas vezes fechava a porta da sala de aula falando aos alunos que ficassem a vontade, apenas pedindo silêncio para que ele não fosse prejudicado. Aos domingos, os alunos iam se encontrar com ele, em sua casa, para poder mostrar revistas e jornais que os alunos não tinham acesso. (...). O professor incentivava que os alunos ouvissem a Voz do Brasil, para que praticassem seu senso crítico em relação aos atos do governo. Enviada em 04/11/2003.

ASU:Minha lembrança mais forte é o padre Domingos, do 1º atrasado, eu tinha dificuldades em aprender as 5 vogais, levei 3 meses e rasguei 3 cartilhas para decorá-las. Aprendi a tabuada de 0 a 9 mas não conseguia as 5 vogais, desenhava-as, mas não sabia qual era a letra quando mudava de lugar. E o padre Domingos nunca me advertiu, apenas tentava me ajudar com muita paciência”. Enviada em 04/11/2003.



terça-feira, novembro 09, 2004

As primeiras letras (II)

Sonega, Alentejo, Portugal, 1949. Professora Lurdes Tainha Saramago e classes.
© Lurdes Tainha Saramago


Excertos de uma entrevista de Ricardo França Jardim ao jornal A Página da Educação.

Quando descreve as várias escolas que frequentou, há nesses textos grande rigor etnográfico. Uma memória cheia de pormenores?

Não sei. Mas a evocação da memória é uma fabricação, uma recriação do que imaginamos e do que nos contam. Em relação à escola, era um sítio onde íamos todos os dias, mas por vezes há uma grande distorção em relação à realidade.

"A memória imaginada" foi o primeiro texto que encontrei que fala de um recreio – no "Ninho dos Pequeninos", o tal «Tarrafal das Criancinhas» – fundamentalmente ocupado por raparigas e não por rapazes.

Era uma escola religiosa só para raparigas, onde os rapazes eram admitidos a prazo, até aos 7 anos. Éramos meia dúzia de meninos da infantil. Havia uma espécie de linha de separação no recreio, e o lado onde ficavam os baloiços era-nos inacessível. As freiras eram muito segregacionistas, impunham uma separação de sexos.

Como foram os primeiros tempos de escola?

O primeiro dia é um mar de lágrimas. É o princípio da realidade em confronto com o do prazer…É o corte com a família.

Exacto, estávamos no aconchego. É como no parto, estávamos ali no líquido amniótico e fomos expulsos para este mundo cruel…

Gostou de andar na escola primária da Dona Egídia?

Uma professora de uma certa severidade. Era uma escola particular de uma daquelas professoras que faziam escola numa parte da casa onde residiam, uma sala onde coexistiam meninos da 1ª à 4ª classes. Escola típica da época que não faria muita diferença das escolas públicas: tinha aquelas carteiras com tinteiros onde colocávamos a pena e atirávamos a tinta para o gajo da frente.

Era ao mesmo tempo um local de transgressão.

Havia alguma severidade nos deveres mas era um lugar simpático…

E a sua experiência no Colégio Lisbonense, onde um dia também resolveu tornar-se cábula?

Na minha altura havia o liceu, uma escola comercial e industrial e dois colégios particulares, o Lisbonense e o Colégio Nuno Álvares, mais conhecido pelo "Caroço". O Dr. Caroço, seu proprietário e director, era um homem de disciplina férrea e castigos corporais; o aluno cábula ia para o "Caroço". Se não fosse aí endireitado, era exportado para uns colégios do Continente, com muita fama. Se o jovem não era "consertado" no colégio de Tomar, então passava para o Lisbonense, uma espécie de última paragem antes do deserto.
(...)




domingo, novembro 07, 2004

As primeiras letras (I)

Maasai Mara , Quénia. Foto: Hiroshi Watanabe


Excertos de um fio de conversa
em http://katraponga.weblog.com.pt. Em vão se tentou o contacto com aquele blog.


Ponteix, Canadá. (Fonte: > )

«Se ainda for viva, certamente a professora Emília já estará reformada há muitos anos. Em alguma parte da sua vida deve ter-se perguntado o que aconteceu aos seus alunos, aos seus meninos. O que lhes terá dado a vida e onde os levou. Acredito que, como eu, muitos dos que foram seus alunos ainda a recordem, mais ou menos vagamente, ao olhar para fotografias antigas ou nos recantos da memória. E apesar de tudo e todos caírem mais cedo ou mais tarde no esquecimento, a professora Emília será sempre parte da minha vida de criança.»
Publicado por Katraponga em abril 2, 2004 05:32 PM TrackBack

Alhos Vedros, Portugal. (Fonte: >)

«Eu cá também não descansei enquanto não cheguei lá. Nos meus anos de analfabetismo sentava-me solenemente a uma secretária improvisada com caixotes na charcutaria dos meus pais e fingia que escrevia, escrevia, escrevia, escrevia... Como é que eu ia chorar no sítio onde me iam ensinar a decifrar e a compôr aqueles rabiscos maravilhosos e misteriosos? E lembro-me muito, muito bem da minha professora Margarida, dos cabelos curtos, dos óculos, das reguadas, da atenção, da boa disposição, da justiça [não, não acho que dar reguadas seja justo, mas eram, realmente ainda, outros tempos], dos filhos dela e do enorme drama que tomou conta da vida dela durante a minha segunda classe e que, obviamente, nos afectou a nós. Está cá tudo guardadinho, nos alicerces.;-)»
Afixado por: Manel da Truta em abril 9, 2004 10:18 PM

China


«Eu também tive só uma professora durante os 4 anos do ensino primário e compreendo perfeitamente esse carinho que vamos guardar toda a vida pela pessoa que nos ensinou a ler, escrever e muito mais. A minha professora primária foi mais do que isso. Foi uma grande amiga que nos ensinou muito mais do que aquilo que os programas escolares aconselhavam. É pena que ela já não dá aulas na pequena escola da minha aldeia. Enquanto ela lá estava, ía muitas vezes conversar com ela. Neste momento, sei que ainda dá aulas, mas nem sei onde. Coisas tristes da Vida:( »
Afixado por: Madalena em abril 7, 2004 04:03 PM


Mocambique

«Eu tive sempre professores diferentes na primária e é pena. Adorei o teu relato beijinhos»
Afixado por: jacky em abril 6, 2004 07:46 PM

Ben Aknoun, Argélia. (Fonte:
>)

«Tenho, propositadamente, muito poucas recordações de infância...
Lembro-me de ter começado a chorar no primeiro dia de aulas, antes de entrar para a sala. Mas depois vi que a professora era a minha vizinha do lado.
A professora Constância gostava muito de mim por eu ser uma menina "especial". Acho que era por pena. Nunca percebi muito bem.
E não me lembro de mais nada.»
Afixado por: Truta Vermelha em abril 6, 2004 12:24 AM

Escola de rua. Tampa, EUA. (Fonte:
>)

«Que giro! Também nunca percebi porque todos os meus colegas choravam no primeiro dia de aulas! Em cinco segundos perdia os meus pais de vista, tal não era a correria para entrar e misturar-me com todos os outros! Vergonhosamente, escondia-me na sala de aulas quando me vinham buscar, ora para o almoço ou ao fim do dia... E as melhores recordações que guardo da escola são da minha professora primária que se chamava Olga. E que não queria que a tratassem por "senhora professora". E a quem uma vez chamei "mãe", distraída...»
Afixado por: Truta Azul em abril 5, 2004 11:51 AM

Carpet People, Índia. (Fonte:
>)

«Os meus dias de escola nunca foram vividos com esse teu entusiasmo...mas curiosamente desde cedo achei que is ser professora...e fui...e sou...e desde os meus seis anos que a minha vida é passada em escolas...ou pelo menos uma boa parte dessa vida...»
Afixado por: MWoman em abril 2, 2004 11:48 PM

Bournazel, Marrocos. (Fonte:
> )


Nota: Tentei por várias vezes deixar um comentário no blog mencionado sempre sem sucesso.
Um abraço para eles.


Malange, Angola




sábado, novembro 06, 2004

«Eu nunca tive tanta esperança no ensino como agora»

Maria Rosa Colaço com alunos em 1960/61

Nota: Esta fotografia encontrei-a primeiramente em osabordaspalavras, jornal do Café com Letras, em Cacilhas (um abraço para eles) depois em fóruns de discussão no SAPO, depois ainda noutro do MSN de Moçambique. Começo a não ver motivos que me impeçam de a publicar também. Não sei a quem pertence. Espero que agora pertença a todos nós.

Excerto de uma entrevista ao “A página da Educação

AP- Como consegue manter essa grande esperança na Educação?

MRC- Eu nunca tive tanta esperança no ensino como agora. Acho que o professor é o passaporte para aquilo que há de bom no mundo. E se alguém desse valor, neste país, ao professor primário e lhe fizesse sentir a responsabilidade do que é pegar numa criança que sai de casa e é entregue nas mãos do professor nesses primeiros anos e o que ele pode semear nesse tempo... Meu Deus! Esta responsabilidade, este dever social em relação ao mundo em que habitamos, devia ser uma disciplina da escola, mais do que as Matemáticas. Cabe ao professor do 1º ciclo a semente destes valores essenciais à Paz, à Fraternidade, ao Entendimento dos Povos que devia ser preocupação primordial de todos os agentes de ensino.


(Maria Rosa Colaço)

sexta-feira, novembro 05, 2004

A Pedagogia de A Criança e a Vida

A notícia apanhou-me de surpresa. Foi através de um mail de um leitor que fiquei a saber da morte da Maria Rosa Colaço (MRC), uma pedagoga, professora e escritora que marcou gerações de alunos e leitores. A escritora faleceu no passado dia 13 de Outubro e dela, apenas, uma simples nota de rodapé nas televisões. A imprensa, publica pequenas referências e notas biográficas da autora. Uma ignorância e uma tristeza que chocou muitos dos seus antigos alunos. É o caso deste nosso amigo leitor [António Matos Rodrigues] que, triste com a morte da sua antiga professora primária e mais triste ainda pelo cerco de silêncio que se fez à volta dela, decidiu criar um blogue em sua homenagem, com o seu nome, abrindo-o a quem queira testemunhar as suas vivências.
Maria Rosa Colaço publicou vários livros, recebeu alguns prémios, escreveu crónicas jornalísticas e guiões de teatro. Mas o seu trabalho mais conhecido é o livro «A Criança e a Vida», que teve direito a mais de 40 edições, escrito a partir de notas guardadas de redacções dos seus alunos de Cacilhas, nos finais dos anos 50. Desse livro disse Urbano Tavares Rodrigues, ser “um milagre de pedagogia poética”.
Nota: este post é parte de um texto publicado em «A Voz de Loulé» do dia 1 de Novembro. A sua versão integral pode ainda ser lida em "acultura" (se o Sapo o disponibilizar!).
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Um grande abraço a Helder Raimundo [http://aculturaeparasecomer.blogs.sapo.pt] que nos enviou este texto e que nos convida a ler a "Voz De Loulé".
A.

quinta-feira, novembro 04, 2004

Beira, Zoo Trindade, Maio de 68



Alô Tininha, Manel e todos os outros amigos,

O Eduardo trouxe-me um álbum enorme (mas há mais), com fotos, recortes de jornais e um larguíssimo etc que ultrapassa o que estava à espera. de encontrar...Fiquei emocionada com os testemunhos da época, inclusivé um artigo da Maria Rosa Colaço, entre outros, escrito em 68. É que tive a intuição de algo muito especial ao ver o filme do Zoo [Trindade], e venho a verificar que muitos, muito antes de mim já o tinham descoberto... É de facto uma história tão bonita e tocante que não pode ficar no esquecimento nem no canto de uma estante, dentro de álbuns e gavetas polvorentas...

Acho que não foi por acaso que no momento em que a Maria Rosa Colaço partiu para outra dimensão, me cai nas mãos o que ela escreveu , publicado no Notícias da Beira a 10 de Maio 68:


"Crónica: A OUTRA FACE

Título: CANTO O REINO EM QUE TE VEJO

D. Elisa é "manchete". Não necessita de apresentação.
Crianças e animais, tudo o que de puro resta sobre a terra, decoraram há muito a sua voz, sua paciência, sua ternura.
D. Elisa é irmã de S. Francisco e o Zoo de D. Elisa, o testemunho mais vivo de que ainda é possível na terra, a paz dos mansos de coração.
Irmã do sol e das raízes, D. Elisa é como uma personagem de conto infantil.
Só assim, no mundo da infância, é possível acreditar, sem reticências, neste entendimento deslumbrante dos homens e dos bichos.
D. Elisa é uma poeta da mansidão.
Seus olhos húmidos de gazela sem medo, sorriem ao ver o sorriso dos meninos, riem a sua alegria, comovem-se ao ver a sua comoção.
Uma professora, disse: permaneçam alinhados! D. Elisa, concluiu, sorrindo: Pode deixar! À vontade. Menino é como bicho: gosta de liberdade. Não acontece mal.
Uma outra voz ambiciosa, sugeriu: não lhe dava mais rendimento se o Zoo passasse para o Parque Perdigão?
E D.Elisa, emergindo do seu mundo de verde e tranquilidade: Talvez...talvez...mas os pobres bichinhos morriam de medo com aqueles jactos todos, ali ao pé, a fazerem tanto barulho.
D. Elisa é uma menina avó. Não se deteve sua ternura na maternidade realizada, não se suspendeu no ciclo de utilidade ao virem os primeiros netos. Ela sabe, como o poeta Sebastião da Gama que, o coração, quanto mais se dá, maior fica. Por isso, num milagre de juventude inconfundível, recria seus sonhos e além de animais, colecciona livros, pedras e bonecas.
Suas esguias mãos de Senhora sem pressa, abrem a nossos olhos, a outra face da paz. São dezenas de bonecas que lhe oferecem embaixadores, cônsules, viajantes das cinco partes do mundo, operários. Para elas, D. Elisa reserva um sonho bonito.
Até domingo que vem, faremos desse sonho uma surpresa para o leitor. Depois, acreditamos que os indiferentes se contagiem - e o sonho seja um acto real apesar de D. Elisa não acreditar em promessas. Contempla tristemente seu corpo que a doença deformou e diz:
- Sabe do que estou assim tão cheia? É de promessas. Promessas. Tantas promessas!
D. Elisa é um poema escrito de uma maneira inesperada. Por isso, aqui a esboço nestas linhas e a deixo, na manhã que nasce, plantada nos olhos apressados de quem, porventura me leia.
Comovidamente feliz por tê-la conhecido e pelo que com ela aprendi do outro rosto dos dias.
Maria Rosa Colaço
Maio de 68"

Zoo de D. Elisa (Sheeba e Tina)


Acho que vai valer a pena!
Beijinhos
Milai


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O blog agradece o envio da crónica de Maria Rosa Colaço, publicada no Notícias da Beira em 10 de Maio de 1968, assim como os testemunhos particulares e a imagem fotográfica que a acompanham .

quarta-feira, novembro 03, 2004

Avenida da Liberdade


«Desfilando no primeiro aniversário do 25 de Abril. Da esquerda para a direita: Mário Tomé, Maria Rosa Colaço, Fernando Lopes Graça e José Cardoso Pires. Avenida da Liberdade, 1975»

Nota
A fotografia está por toda a internet, felizmente. Apresenta um carimbo de copy right com as referências a Inês Pedrosa e Publicações D. Quixote. Encontrei-a primeiramente no site do
Instituto Camões, página do escritor José Cardoso Pires.
O Instituto Camões foi contactado aguardando resposta. Quanto às entidades descritas no carimbo, delas não consegui localizar qualquer e-mail que pudesse utilizar. De modo que a fotografia aqui fica. Será removida se e quando as citadas entidades assim mo pedirem.

A propósito, veja aqui a imprensa da época.

Aproveito para pública e antecipadamente agradecer os contributos que os citados Instituto Camões, escritora e jornalista Inês Pedrosa e Publicações D. Quixote quiserem deixar neste blog de homenagem à professora, escritora, poetisa e cidadã Maria Rosa Colaço.

Cumprimentos.
A.


segunda-feira, novembro 01, 2004

Aquele telefonema matinal

A voz de Maria Rosa chegou-me, emocionada e tranquila, quando saí do estúdio. Tinha terminado mais um "Programa da Manhã" na Rádio Comercial, estendem-me o telefone e ali estava uma voz desconhecida dizendo-me que tinha ouvido o programa viajando num autocarro, da margem sul para Lisboa. E que vinha retribuir-me os apelos à alegria e os votos de bom dia com que eu tinha pontuado aquela hora de emissão.

É verdade que, naqueles idos de 80, fazia os meus programas convicto de que uma antena de rádio era um bem público que deveria levar aos ouvintes algo mais do que publicidade, música e previsões meteorológicas. Mas nunca ninguém, no fim de um programa, me telefonara para conversar sobre isso de forma tão cristalina e autêntica.

Foi assim que nos conhecemos.

Seguiram-se conversas esporádicas, entrevistas que lhe fui fazendo na rádio e na televisão por causa dos seus livros, encontros fraternos que o acaso se encarregava de nos oferecer. Até que, já em 90, peço a Maria Rosa a sua presença num livro de fotografias que eu estava a preparar. O projecto era simples: escolher uma das minhas fotografias e, a partir dela, compor um poema. Generosa ( ela foi, acima de tudo, uma mulher capaz de generosidades infinitas...) escolheu não uma, mas sete fotografias, e deu-me sete preciosos momentos de poesia. Estão todos nesse livro que saíu em 1990 com o título " A Meu Ver ", de onde agora recolho este poema, onírico e enxuto, feito para a imagem de um pintor que surpreendi desenhando um pássaro, em plena Place du Tertre, em Paris.


[Foto: Carlos Pinto Coelho]


Veio de longe tão longe
o pássaro azul.

Trazia rumos e sonhos
o pássaro azul.

Há tanta gente esperando
o pássaro azul.

Espera-se que o pintor
devolva breve as asas
ao pássaro azul.

E que o fotógrafo
rapte rápido
o voo do pássaro azul
no contraluz
do poema.

[Poema: Maria Rosa Colaço]


Aqui deixo esta memória grata de quem, numa certa manhã dos idos de 80, fazendo uma rotineira viagem de autocarro, foi sensível a um apelo à alegria. À alegria que, afinal, ela já trazia, transbordante e enérgica, dentro de si.

Carlos Pinto Coelho
Jornalista
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Este blog agradece ao jornalista Carlos Pinto Coelho o seu tão pronto e generoso contributo.
A.